Menos é Mais
- Laudio Nogues

- 8 de out.
- 3 min de leitura

Antes de tudo, é preciso esclarecer: esse “menos” não diz respeito a tamanho, poder ou grandiosidade. Ele fala sobre a obsessividade com que muitas vezes nos lançamos na trilha da conquista.Querer chegar a algum lugar com um potente automóvel, em alta velocidade, descuidando da segurança e das leis, quase sempre resulta em multas, prejuízos — ou, em casos mais trágicos, na própria morte.
No campo da realização profissional, a ambição descontrolada funciona como combustível de energia suja: pode impulsionar, mas também destruir. Mesmo que o objetivo seja alcançado, o caminho percorrido com pressa, ego e desatenção costuma deixar rastros de sofrimento.
À medida que nos tornamos obcecados por algo que ainda está no ponto futuro, passamos a ser possuídos pela necessidade de possuir. Essa necessidade conversa intimamente com o sentimento de escassez — mesmo quando o que desejamos está muito além das necessidades básicas descritas por Maslow.Poderíamos mergulhar nas origens emocionais dessa escassez, mas o que interessa aqui é a reflexão sobre como controlar de maneira inteligente a energia que nasce da nossa ambição, sem permitir que ela nos consuma.
Todo objetivo envolve três elementos: o ponto onde estamos (A), o ponto onde queremos chegar (B) e o tempo (T).Se ainda não chegamos a B, é porque faltaram recursos, experiências ou oportunidades — e isso faz parte do processo. A jornada é uma construção que exige paciência e coordenação.O percurso não está sob controle total, haverá sempre desvios, retrocessos e correções de rota. Esses contratempos afetam nossas expectativas e, inevitavelmente, o nosso estado emocional, produzindo frustração. É nesse ponto que mora o perigo.
Quando desejamos algo intensamente, a mente começa a trabalhar nos bastidores, projetando a sensação de já estar lá.Sonhamos acordados com o prazer da chegada, mas, ao despertar, nos deparamos com a realidade: ainda estamos no caminho.E, pior, frequentemente caímos na armadilha da comparação com aqueles que já chegaram — diminuindo nossas próprias conquistas.A dor tende a ser proporcional à intensidade do desejo: quanto maior o sentimento de escassez, maior o sofrimento.Esse sofrimento, por sua vez, pode disparar gatilhos de autossabotagem: pular etapas, trapacear, desrespeitar princípios.
A lição dos pintinhos
Certa vez, vivi uma experiência marcante durante minha breve fase de dono de chácara no sul de Minas.Tínhamos um terreno com jardim, horta e galinheiro. Um dia, convencido por amigos, comprei uma chocadeira elétrica — um pequeno artefato de acrílico aquecido e umedecido, projetado para simular o corpo da galinha chocadeira.
Cabiam 100 ovos. Uns 30 não vingavam; os outros 70, depois de 21 dias, transformavam-se em pintinhos.A tampa transparente nos permitia acompanhar o processo. Na primeira leva, a expectativa era enorme.Alguns pintinhos rompiam a casca com vigor; outros, com dificuldade.Movidos pela impaciência — e melhores intenções — resolvemos ajudar os mais frágeis.Abrimos a chocadeira e demos uma “forcinha” para libertá-los. O resultado foi desastroso.Os pintinhos “ajudados” tornaram-se aleijões: não se sustentavam em pé, arrastavam-se com dificuldade e acabaram morrendo.
O que parecia um simples gesto de cuidado, para eles representava o roubo de uma etapa essencial.A luta para romper a casca fortalece músculos e pulmões — é o primeiro treino da vida.Sem esse esforço, não há estrutura para sobreviver.A lição é cristalina: por mais que doa, toda etapa precisa ser respeitada, sob pena de gerarmos resultados frágeis, disformes, “aleijões” emocionais e profissionais.
A pressa dos espertos
Em minha trajetória, encontrei pessoas que, movidas pela ânsia de chegar, abdicaram da ética.Sínicas, manipuladoras, dispostas a qualquer artifício para vencer a corrida corporativa.Algumas até tiveram sucesso por um tempo — porém, mais cedo ou mais tarde, a verdade emergiu, e as máscaras caíram.O que parecia brilhante se desfez com a mesma velocidade do atalho que tomaram.
O caminho do esforço coordenado, da paciência e da estratégia ética é mais longo — mas é o único sustentável.Quem o escolhe chega longe sem perder o sono, mantendo a consciência limpa e o coração em paz.
Algumas recomendações para quem deseja crescer com consciência:
Busque o autoconhecimento para desvendar seu propósito de vida.
Estabeleça metas coerentes de curto, médio e longo prazo — alinhadas a esse propósito.
Compreenda os requisitos de cada etapa da jornada e respeite o tempo de maturação.
Cercar-se de pessoas confiáveis é essencial: mentores, amigos e críticos de valor.
Prepare-se para as contingências — elas sempre virão.
Tenha planos alternativos, tanto para ajustes temporários quanto para mudanças definitivas.
Domine suas emoções, antes que elas dominem você. A mente primitiva de sobrevivente está sempre pronta para sequestrar o comando.
Use a si mesmo como parâmetro de comparação. Valorize cada avanço, por menor que pareça.
Deseje o suficiente. Ética, resiliência e compromisso valem mais do que conquistas efêmeras. A vida é breve demais para desperdiçar com atalhos.
“A ideia fixa, que faz cometer mais crimes do que todos os outros desregulamentos da natureza humana, deve-se recear ainda mais quando apresenta a máscara do amor.”— John Galsworthy




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