Segundo Pierre Weil, icônico psicólogo francês da linha transpessoal:
"o ser humano, a todo o momento da sua existência, tem constantemente a escolha entre ser um autômato, escravo dos seus instintos, emoções destrutivas, pensamentos e dos seus condicionamentos, ou um ser plenamente consciente de todos os atos da sua vida. Ser consciente a toda hora implica em viver de modo pleno, isto é, viver em plenitude".
Weil, Pierre. A arte de viver a vida (p. 80). Editora Vozes.
Se pararmos para refletir por alguns instantes, talvez sejamos capazes de reconhecer o quanto estamos sujeitos ao acaso de nossas emoções e reações impulsivas. Menos provável será, no entanto, visualizar o momento da escolha por um caminho alternativo, mas o que seria então Viver em Plenitude? Weil complementa:
"Plenitude é um estado de alma em que o ser humano se sente completamente realizado, em que ele se sente completo, em que ele se sente pleno. É um estado de plena realização de todo o nosso potencial".
Weil, Pierre. A arte de viver a vida (p. 80). Editora Vozes.
Dicionários trazem duas definições: cheio – repleto e completo – inteiro. Ambos os sentidos confirmam a ideia de completude sendo o oposto de vazio ou fragmentado.
Uma vida, em sua completude, inclui todo um repertório de altos e baixos, sucessos e fracassos, alegrias e tristezas, indiferenças e relevâncias. Isto é, tudo aquilo que compõe o ciclo humano do indivíduo em sua existência neste planeta.
É óbvio que queremos organizar nossa vida na direção das coisas boas, mas ter a expectativa de uma vida plena em realizações e alegrias é posicionar-se na rota da frustração e consequente sofrimento.
Se vida plena inclui todo o pacote, sem esquivas ou fragmentações, o que podemos fazer então para uma existência mais habilidosa nessa passagem mundana?
O primeiro passo será o reconhecimento básico de que somos o único ser vivo no planeta Terra capaz de ter consciência da consciência. Isto quer dizer que temos a prerrogativa intencional de observar a nossa própria essência. Temos a habilidade de aplicar INTELIGÊNCIA sobre nossa própria “inteligência”. As aspas dizem respeito ao que julgamos ser toda a nossa sabedoria, mas que não passa de uma menor fração de quem realmente somos e do nosso potencial.
O fundamento desta afirmação está na quantidade de estudos da consciência humana trazidos por diversos e renomados autores. Podemos constatar que há algo marcantemente em comum nessas abordagens: o campo da consciência, ou seja, tudo aquilo que reconhecemos, nominamos, compreendemos a respeito do que captamos através dos nossos sentidos, é a menor parte do todo. O nosso maior conteúdo está escondido e reside exatamente no que chamam de inconsciente ou subconsciente (veja exemplo de cartografia da consciência na figura abaixo).
Fonte: Livro Psicossíntese, as bases da psicologia moderna transpessoal de Dr. Roberto Assagioli
Para que eu consiga aproximar essa conversa da nossa realidade pergunto: Quantas vezes você já se surpreendeu com sua capacidade de elaborar raciocínios e dar respostas as quais antes julgava não estar preparado? Quantas vezes foi surpreendido por pensamentos inesperados que trouxeram o caminho para solucionar uma questão? Isso funciona como a luz do sol que penetra pela fresta da janela trazendo uma luminosidade limitada ao ambiente. Cabe a cada um decidir escancarar essa janela e deixar o sol penetrar com todo o seu esplendor. Quem sabe podemos até fazer isso cantando juntos com o George Harrison “here comes the sun”...
Porém, cabe o aviso de que janela aberta permite a entrada de qualquer coisa que venha em sua direção. Algumas vezes constatamos também a chegada de pensamentos, memórias e pressentimentos perturbadores. Como dito antes, faz parte do pacote e não há como evitar.
É fundamental que estejamos preparados para lidar com qualquer coisa que emerja desse universo desconhecido. A pior opção será lutar contra, desejar que não tivesse acontecido ou ignorar. Quanto mais fazemos isso mais ampliamos os efeitos desse sofrimento representado por uma espiral onde o ponto inicial e menos denso é o evento original. Os anéis que vão se desdobrando em uma crescente são os pensamentos desencadeados neste cenário catastrófico ampliado. O melhor caminho a seguir está orientado por três pontos fundamentais para uma vida plena: 1) a certeza de que pensamentos são só pensamentos; 2) o princípio da impermanência de tudo; 3) a aceitação.
1) Pensamentos são só pensamentos:
Nosso cérebro é um complexo órgão do corpo humano. Lá encontramos os neurônios que, por sua vez, são organizados em redes que se interligam em vários tipos de processamentos e informações. Para se ter uma ideia da grandiosidade dessas conexões eletroquímicas, somente no Neocórtex, parte executiva do cérebro, contamos em média com 100.000 neurônios por mm³.
Nosso corpo produz inúmeras substâncias, exemplificando, trago uma bem conhecida, principalmente quando nos deparamos com aquela guloseima que tanto gostamos, nossa boca enche de saliva. Nossas glândulas salivares produzem de 1 a 2 litros de saliva por dia e serve para lubrificar o alimento no momento da ingestão, no entanto, a maioria da saliva produzida é engolida, absorvida pelo corpo e eliminada.
Da mesma forma, nosso cérebro tem como vocação produzir pensamentos, assim como a glândula salivar, nunca interrompe sua produção, nem mesmo quando não queremos ou estamos dormindo. Da mesma maneira, não é seletivo e sim regido pela quantidade, não pela qualidade. O problema é que seu produto tem uma ligação direta com a nossa identidade, nossa essência, nossa realidade e emoções. Nos definimos através da linguagem elaborada pelo pensamento, definimos a realidade através da interpretação singular baseada na conjectura formada pelo pensamento. Por esta razão, caímos na armadilha de acreditarmos que somos e vivemos o que pensamos e não o que salivamos. O pior disso é que reagimos impulsivamente a esses estímulos sem nem mesmo se dar a chance de ter a real consciência dessa fictícia consciência. Se tivéssemos essa chance, perceberíamos que pensamentos são o que são, só pensamentos, e que a verdade de tudo pode ser radicalmente diferente do que acreditamos.
2) A impermanência de tudo
“Tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador”. Esta cômica afirmativa extraída da sabedoria popular busca de maneira lúdica dar luz a um dos princípios mais verdadeiros da existência de tudo: O PRINCÍPIO DA IMPERMANÊNCIA. As variáveis são as ações impostas ao objeto e o tempo de exaustão, porém, mesmo o mais resistente dos materiais tem seu tempo de deterioração. Retornando ao pensamento, objeto de grande volatilidade, à medida que nos descolamos de sua materialidade, podemos então ter um tratamento mais racional e colocá-lo no seu devido lugar dando a ele o grau de relevância que ele merece. Deixando que dê sua contribuição e se dissipe abrindo espaço para um novo pensamento.
Mais uma vez, trazendo para a realidade humana, lembre de situações as quais julgamos ser o desastre total. Momentos que mentalmente perpetuamos o sofrimento que depois revelou-se passageiro. Ou mesmo quando passamos por fases de extrema alegria e prosperidade e que inevitavelmente ficou para traz. Então, seja para o bem ou para o mal, os ciclos se renovam e é preciso respeitá-los. A sabedoria está em como lidamos com cada um dos estímulos tendo a certeza de que tudo é impermanente.
3) Aceitação
Já vou logo esclarecendo que não estou falando de resignação ou complacência. A aceitação proposta aqui é aquela que absorve o fato da maneira como ele realmente é. Aceitar que o que está feito não será desfeito, mesmo que em algumas situações isso seja possível, o registro do que foi feito e desfeito permanecerá na nossa mente.
Situações irreversíveis são mais frequentes e quanto a essas, temos que ter o equilíbrio essencial para lidar com o fato daquele ponto em diante. Quando perdemos inesperadamente nossa fonte de renda por exemplo, óbvio que sentimos o baque traduzido em sofrimento e preocupação, no entanto, qual o valor de ficar chorando em cima do leite derramado? Atitudes como essa só conduzem à prostração e perda de energia para idealizar alternativas possíveis.
Aceitar o que nos chega de forma centrada e estratégica requer treinamento de nossa mente para lidar com adversidades equilibradamente, não passivamente. Em alguns casos fazer nada é fazer muito, em outros, dar passos estruturados na direção da melhor saída, será o ideal. A melhor decisão sempre dependerá da sua capacidade de raciocínio sobre o ocorrido, coleta de informações e pensamento estratégico. O pior cenário é o desespero, a prostração ou a reação intempestiva impulsiva.
Conclusão:
A grande sacada, a pedra fundamental para a sofisticada construção de um estado mental capaz de lidar com a vida de forma PLENA no sentido maiúsculo será a consciência da limitação daquilo que chamamos de nossa consciência. Renunciar aos limites desse mundo particular sujeito ao que, de forma falaciosa, achamos ter controle. Gastamos muita energia em mecanismos de controle e menos atenção ao preparo mental para lidar de forma habilidosa com aquilo que inevitavelmente nos chega.
Não me refiro somente a grandes eventos, incluo aqui fatos corriqueiros do cotidiano que, de maneira igualmente nocivos, vão minando nossa resistência ao stress acima do nível salutar.
A maior descoberta do ser humano ainda está por vir, e não estará no campo da tecnologia ou das máquinas. A grande descoberta do século XXI será o conhecimento da anatomia sutil do SER HUMANO. Aquilo que transcende a matéria visível e extrapola o que a ciência convencional não admitia considerar. Arrisco conjugar o verbo no passado porque esta barreira começa a se romper com o avanço das pesquisas a respeito da consciência e dos experimentos da física quântica. É preciso ter resiliência e posicionar-se contra todas as evidências do fracasso humano diante da sofisticada, algorítmica e hiper precisa tecnologia. O humano não pode desistir do humano antes de conhecê-lo plenamente.
Acredite, somos muito mais do que pensamos a nosso respeito. Abra essa janela de fresta solar e deixe essa luz resplandecente aquecer sua existência humana na terra.
Referências e inspirações:
Livro: Atenção Plena de Mark Williams e Danny Penman
Livro: Psicologia Cognitiva de Robert J. Sternberg
Livro: Psicossíntese de Roberto Assagioli
Livro: A Arte de Viver a Vida de Pierre Weil
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